Sentimentos, por Caio F.


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Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não conseguirás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele (…)

- Caio Fernando Abreu -
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Não te tocar, não pedir um abraço, não pedir ajuda, não dizer que estou ferido, que quase morri, não dizer nada, fechar os olhos, ouvir o barulho do mar, fingindo dormir, que tudo está bem, os hematomas no plexo solar, o coração rasgado, tudo bem.

- Caio Fernando Abreu in: Pedras de Calcutá -
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De repente, eu não consegui ir adiante. E precisava: sempre se precisa ir além de qualquer palavra ou de qualquer gesto. Mas de repente não havia depois: eu estava parado à beira da janela enquanto lembranças obscuras começavam a se desenrolar. Era dessas lembranças que eu queria te dizer. Tentei organizá-las, imaginando que construindo uma organização conseguisse, de certa forma, amenizar o que acontecia, e que eu não sabia se terminaria amargamente - tentei organizá-las para evitar o amargo, digamos assim. Então tentei dar uma ordem cronológica aos fatos: primeiro, quando e como nos conhecemos - logo a seguir, a maneira como esse conhecimento se desenrolou até chegar no ponto em que eu queria, e que era o fim, embora até hoje eu me pergunte se foi realmente um fim. Mas não consegui. Não era possível organizar aqueles fatos, assim como não era possível evitar por mais tempo uma onda que crescia, barrando todos os outros gestos e todos os outros pensamentos.

- Caio Fernando Abreu in: O Ovo Apunhalado -
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Não choro mais. Na verdade, nem sequer entendo porque digo mais, se não estou certo se alguma vez chorei. Acho que sim, um dia. Quando havia dor. Agora só resta uma coisa seca. Dentro, fora.

- Caio Fernando Abreu in: Morangos Mofados –
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A perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro (a) - mas a morte é inevitável, e, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo - porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas nãos e tem, nem se terá.
- Caio Fernando Abreu in: Pequenas Epifanias  -
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Na minha memória - já tão congestionada - e no meu coração - tão cheio de marcas e poços - você ocupa um dos lugares mais bonitos.
- Caio Fernando Abreu in: Cartas -
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